sábado, 7 de abril de 2012

A vantagem de ser escriba(sem data)

Não tens uma idéia de vida do camponês que cultiva a terra? O coletor de impostosacha-se no cais ocupado em colher os dízimos da colheita. Tem consigo gente armada debastão, negros munidos de ripas de palmeira. Todos gritam: Vamos, os grãos! Se ocamponês não os tem, atiram-no ao chão [...].

O pedreiro, dir-te-ei como a doença o espreita, pois está exposto a todos os ventos, sobre as vigas do andaime, pendurado nos capitéis o lótus; seus dois braços gastam-se notrabalho, suas vestes em desordem, não se leva senão uma vez por dia.

Quando nãoconsegue pão, regressa a casa e bate nos filhos. [...] O tecelão não se afasta de suacasa; os seus joelhos estão à altura do estômago; se deixar de fabricar um só dia aquantidade regulamentar, é amarrado com os lótus dos pântanos. [...]

 O mensageiro,partindo para os países estrangeiros, faz seu testamento, receoso das feras e dosinimigos. [...] O tintureiro tem sempre os dedos cheirando a peixe podre e os olhos cavosde fadiga. [...]

Mas a profissão de oficial será mais tentadora? Vem, que eu te contarei a sorte do oficialda infantaria. Levam-no ainda criança e encerram-no na caserna. Logo o seu ventreestará todo rachado [...], sua cabeça, uma chaga. Estendem-no e espancam-no como aum papiro. Queres que te conte agora a sua campanha na Síria, as expedições a países longínquos?

Leva os viveres e a água ao ombro como a carga de um burro; a sua espinhaparte-se. Bebe água podre. Deve constantemente montar guarda. Chega diante doinimigo? É um pássaro que treme. Volta ao Egito? É apenas um velho pedaço de pau roído pelos vermes. [...] Eis por que te inclino para as letras.Aquele que desde a infância, procura tirar proveito, esse é honrado.


Nicolas Oliver,retirado do livro História Antiga e Mediaval,de J. JObson de A. Arruda,que por sua vez retirou de Maspero,G ,Histoire Ancienne dus Peuples de l´Orient.Paris,Hachetee,pág 137.

O Mendigo



O maltrapilho, jogado num canto de rua com sua pobreza, é ,para quem sabe ver, o tipo de pessoa mais bem sucedida que nossa civilização pode produzir. Pois,se a ´´ bem-sucessão ´´ de um individuo é medida no quanto ele exerce sua função social,quem pode competir com o pobre total? Quando um pai, passando pela rua com seu filho, passa pelo homem sem (querer) olhar, o garoto irá perguntar e ele responder?



´´-Papito, o que teve com o velho?``



´´ Não é velho, filho. É um miserável.Estude para não acabar assim.``

E,graças ao feliz portador de demanda inefetiva, 98% dos garotos realmente o fazem. Quantos professores hoje em dia podem se gabar de tamanho rendimento pedagógico? Policiais deixam o bad guy escapar, cirurgiões esquecem bipes dentro de pacientes, políticos constroem estádios de futebol menores que prometeram, e 100% desses 98% não são o que sonharam.

Qual ociocrata, carregando sua garrafa de remédio que não amarga com o zelo que um vigia porta sua lanterna, jamais atrasou para o serviço, falhou ou fez corpo mole? Vivendo diligentemente do que sobra em nossas mesas, carteiras e sonhos, jamais deixaram, por suborno ou adulação, de voltar ao seu trabalho.

Amam sinceramente seu gatos e cachorros porque talvez um dia tenha que assá-los,e jamais se acham insubstituíveis. Que mendigo jamais se impôs como modelo para alguém, querendo que seguissem os seus passos?

´´-Nós estava com tesão, num deu pra segurar, né?´´

,disse um deles, pego em pleno ato com a esposa, no meio de um parque público lotado. Nossos viadutos, que antes só serviam para o Alto Comércio compartilhar seu CO2 com o resto da cidade, e para homenagear intelectuais que ninguém sabe o que produziram, graças ao inútil, receberam utilidade. Qual engenheiro lembrou-se de agradecê-lo ?

Suas mulheres geram,  industrialmente, um filho a cada nove meses para que possamos ter orgulho de nossas vidas estáveis e para aparecerem em reportagens com rostos desfocados ao lado de luzes pequenas. Já temos um enorme superávit de jornalistas e assistentes sociais.

 Sem essas crianças,teríamos de exportar a produção para Portugal e Angola, junto com nossas novelas e revistas semanais. Quantas centenas de sociólogos e sociologistas perderiam suas aparições ocasionais na TV, nos especiais sobre a Miséria? Eles teriam de procurar outros problemas para passar a vida pesquisando. Executivos não seriam mais tão atraentes.

Funcionários públicos perderiam seu charme. Todos dizem de seus pirralhos:´´-Vai ser o Einstein dos plásticos!`` ´´ Beijará todas as meninas!!``´´ O futuro Morgan verdamarelo ``. O meu, não. Vai ser o pedinte das mulheres, cego cantador da Ciência, homeless do Poder, Zeus disfarçado da Arte. Por isso tudo, acho errado, apontar para as crianças, na rua, qualquer exemplo de pessoa derrubada ou fracassada.

O farei, no futuro, por ser necessário para formar seu caráter como cidadãs, e membros úteis de nossa Sociedade. E querendo alguma seguir carreira nesse Quarto Setor que envolve também homens que vivem do trabalho da mulher, ladrões que roubam coisas de mil reais e revendem por vinte, pessoas que vivem com a mãe aos 50 anos e outras profissões não tão honradas quanto a de esmoleiro, eu direi a elas: ´´-Sinto desapontar,filho.Acho que você só dá para deputado.``

Senso Crítico






A Filosofia é como um puzzle, cada peça é mais uma ideia e uma forma de pensar que completa a disciplina. Não se baseia em fatos e corpos reais, mas em crenças e ângulos de vida distintos. A Filosofia vai à origem, ao cerne, vai em direção das questões que nos parecem sempre mais simples, mas que demoramos mais tempo a responder. Com a Filosofia o básico torna-se complexo, e este ciclo faz-nos refletir. Podemos saber fazer contas, podemos saber o que estamos a analisar ao microscópio, podemos até identificar a constelação que estamos a ver no céu, mas devemos sempre saber pensar e usar como objeto de estudo a própria realidade, questionando-nos muitas e muitas vezes. Porque quanto mais algo é questionado, mais é compreendido.

O ser humano é um ser racional, com curiosidade em descobrir mais sobre o que o rodeia. Por observação da realidade, este questiona-se sobre o modo como ela opera e sobre a sua própria existência.

No entanto, para que haja uma sociedade organizada e ordenada, é necessário tomar algumas ideias como garantidas (como a ideia de que possuímos livre-arbítrio e a questão da justificação do estado), que não são refletidas pela maioria das pessoas.

A filosofia que não é mais do que uma atividade que realizamos de forma natural: inquirir-nos sobre a natureza das coisas, de modo a adquirir conhecimento e combater a ignorância de cada um.










Via Pensamento Sem Dogmas.

A casa abandonada

A Casa Abandonada



Meu vizinho e amigo, Gringo, me pediu ajuda com problema em sua casa. A esposa dele havia conseguido, com o segurança de uma obra próxima ao trabalho dela, o favor de poder f ficar com as telhas da casa que ocupava o terreno, pois a empresa que o adquiriu iria construir ali um edifício, demolindo a antiga residência.

Gringo me pediu ajuda, tanto de ceder o espaço de minha garagem para as telhas, visto que carro para minha família era algo que só existia em sonho, e de ir com ele, numa manhã de domingo, buscar as ditas telhas.

Ao fim da semana, numa manhã ensolarada, eu acordei, tarde como em todo dia santo, mas não muito por já ter marcado com Gringo. Saí de casa, e o encontrei, me esperando, num furgão velho que ele contratara. Fui na frente, mais sua esposa, dona Áquila, e o dono do veículo.

Gringo foi atrás, mais um cachaceiro que prometera ajudar, em troca de trocados para ''ajudá-lo a comer''.Sendo o escapamento feito de tubos de PVC, que mais jogavam fumaça dentro da cabine do que fora, Gringo teve de ir com a porta aberta, para não ficar asfixiado junto com o cachaceiro. O furgão em si era curioso. Tinha o logotipo da Volks na frente, o da GM atrás, peças que pude perceber serem de cinco modelos de carros distintos, com acabamento de peças de metal soldadas formando a estamparia, e um ventilador comum ligado nos fios do volante.

Após um minuto esperando o veículo pegar, o dono dele começou a fazer compensar o tempo perdido na saída, usando seu conhecimento prático dos atalhos por dentro dos becos, evitando as ruas principais engarrafadas, nos levando em pouco tempo para um bairro de casas altas próximo a área dos shoppings e prédios bancários.

Era daqueles com várias ruas arborizadas e nos quais se viam andando pouco mais que ocasionais vigias, vestidos em uniformes de certo mau-gosto, que ficavam em guaritas amarelas ou brancas, equipados com rádios para ameaçar chamar o carro da empresa caso pessoas estranhas começassem a perambular por ali.Paramos no terreno, que tinha dois seguranças próprios, deixados pela empreiteira.

A casa já havia sido semi-demolida, deixada nua das janelas, armações de madeira, portas e pias. Sobrara a estrutura, que deixava perceber uma casa funcional e moderna por fora, e um tanto tradicional no interior.De resto, bastante entulho, azulejos bonitos, mas cuja fragilidade fazia não compensar trabalho de retirá-los, e as telhas que viemos buscar, que os operários, apesar de não poderem ficar com elas, tiveram a delicadeza de deixar inteiras e empilhadas para quem as quisesse.

Após dona Áquila cumprimentar os seguranças, e estes nos deixarem entrar, começamos a carregar o furgão. Enquanto fazia isso, percebi no chão coisas interessantes, como um manual MATLAB ainda inteiro, jogado sob um monte de poeira. Pertencera ao antigo proprietário da casa.No caminho até ali, dona Áquila me contou a história dele. Acontecera algo triste. Ele era engenheiro, de que tipo exatamente não lembro, e morava ali com, entre outras pessoas, a mãe e a filha.

Certo dia, quando ele estava fora, homens deram um jeito de entrar, e a garota teve o azar deles não serem meros assaltantes.Enquanto os homens estavam com ela, a avó, que nada podia fazer, se escondeu debaixo de uma cama. Inutilmente: algum barulho que ela fez, ou o fato dos homens possivelmente já terem buscado informações da família, os levaram a ela quando terminaram com a garota.

Foi arrastada para um corredor, e ainda em choque, recebeu três tiros no rosto, para não dar alarme quando eles saíssem. O dono chegou mais tarde, viu tudo, e nunca mais voltou ali. Anunciou a venda do imóvel, com tudo dentro, de suas próprias roupas aos móveis da sala.Quando o trabalho estava perto do fim, e minha ajuda deixou de ser tão necessária, pedi a Gringo para poder andar um pouco, explorando as ruínas. Ele permitiu, pedindo que eu tomasse cuidado, olhando para onde pisasse. Passei da ampla sala, a uma série de quartos, nos andares de baixo.

 O andar superior, aonde ocorrera a tragédia, já era história, com as paredes já derrubadas, e a escada que lhe dava acesso, desmantelada no chão, em cacos.Uma das primeiras coisas com que trombei, foram os restos revista pornô, daquelas que vem com um DVD de quatro cenas. Achei engraçado aquele material e um manual MATLAB terem pertencido a mesma casa, e provavelmente á mesma pessoa. A parte da casa por onde comecei, tinha algo que presumi ser o estúdio ou sala de estudos, pois tinha um espaço vazado aonde reconheci o encaixe de uma mesa de desenho, e de estantes.

Depois passei para o que podia ser espaço tanto para sala de estar como de visitas, com espaço para uma tevê tela grande e um bar americano no canto, com vista para a piscina mais abaixo, no quintal. Antes de tudo acontecer, pensei, aquela deve ter sido uma família que gostava de receber amigos, de ter vários deles em casa.Ela parecia mais ser feita para estar sempre em festa do que como endereço permanente de alguém, mesmo não ficando devendo nada nisso.

Atravessando uma pequena entrada, por trás da cozinha, desci direto para a parte mais baixa, que ficava embaixo do quintal e da piscina. Encontrei ali uma cozinha em miniatura, cheia de talheres, e potes plásticos há muito tempo sem uso, que deveria servir de suporte para as festas que ocorriam ali. Seu acesso ao quintal se fazia por uma escada em espiral, já em péssimo estado por estar exposta ao sol e a chuva, mas ainda utilizável.

Quando ouvi a voz de Gringo me chamando ao longe, gritei que já estava indo, e decidi subir pela escada, para poder conhecer um pouco mais aquela parte. Emergi através do pequeno alçapão que dava acesso a cozinha de suporte, e vi Gringo na parte alta, no lugar aonde fora a garagem , acenando para mim e gritando para eu ir logo.Acenei de volta, e subi por outro caminho, que me fez sair perto do furgão. Entramos todos.

Primeiro o cachaceiro, resmungando que o serviço estava muito pesado, para depois poder pedir algumas moedas a mais; depois Gringo, que teve de dar um jeito de sentar sobre as telhas, sem quebrá-las, e depois o dono do furgão, dona Áquila e eu, após verificarmos que o marido dela( e o cachaceiro) conseguiram entrar e estavam bem.

O furgão andou algumas quadras, e passamos por um sinal aonde guardas de trânsito não viram nosso carro. A cabine tinha um cheiro bom de gasolina, que exalava de um galão de cinco litros, conectado ao motor por um tubo plástico semelhante ao do escapamento que defumava a parte de trás.

Dona Áquila comentou:

-Um luxo a casa, né? Aquilo ali que era gente de bom gosto. Eram mesmo.

Não consegui deixar de pensar no resto de revista pornô, que era daqueles com atrizes oxigenadas atuando em cenas que repetiram em centenas de filmes diferentes, e pelo qual poderia se adivinhar o conteúdo do filme só por olhar a capa. Era um tipo de material que eu próprio deixara de ver há um certo tempo. Mas não pude deixar de dizer:

-Com certeza, Dona Áquila. Pior que é mesmo.



Por Nicolas Oliver.

Inspirado em Fatos Reais.

domingo, 1 de abril de 2012

Carta De Luis Gama a seu filho

Meu filho, Dize a tua mãe que a ela cabe o rigoroso dever de conservar-se honesta e honrada; que não se atemorize da extrema pobreza que lego-lhe, porque a miséria é o mais brilhante apanágio da virtude. Tu evitas a amizade e as relações dos grandes homens; eles são como o oceano que aproxima-se das costas para corroer os penedos.

 Sê republicano, como o foi o Homem-Cristo. Faze-te artista; crê, porém, que o estudo é o melhor entretenimento, e o livro o melhor amigo. Faze-te o apóstolo do ensino, desde já. Combate com ardor o trono, a indigência e a ignorância. Trabalha por ti e com esforço inquebrantável para que este país em que nascemos, sem rei e sem escravos, se chame Estados Unidos do Brasil.

Sê cristão e filósofo; crê unicamente na autoridade da razão, e não te alies jamais a seita alguma religiosa. Deus revela-se tão somente na razão do homem, não existe em Igreja alguma do mundo. Há dois livros cuja leitura recomendo-te: a Boblia Sagrada e a Vida de Jesus por Ernesto Renan. Trabalha, e sê perseverante. Lembra-te que escrevi estas linhas em momento supremo, sob a ameaça de assassinato. Tem compaixão de teus inimigos, como eu compadeço-me da sorte dos meus.

Teu pai Luís Gama.