sábado, 31 de março de 2012

A CIGARRA E O CHATO

Freud sempre se preocupou com coisas simples, característica dos gênios: achar o novo no que todo mundo vê, mas que não enxerga. Entre suas simplicidades, ele escreveu dois artigos em 1908 que sempre me chamaram a atenção pelo tema que abordam e que assim eu resumiria: por que tem tanta gente chata no mundo, aquela que começa a contar um caso e já vai dando sono, e tem gente interessante que, contando a mesma história nos desperta e interessa?

Sou coagido a voltar à minha vida simples que ficara imêmore na riqueza da infância pela qual, ligeiramente, um dia passei: as viagens ao sítio de meu pai, onde a minha mãe sempre tinha explicações lendárias para o funcionamento da Natureza.

 O meu olhar era lendário. Mas esse tempo se foi e, por conseguinte, com ele também se foi o meu olhar, o meu olhar lendário, o original, o mais verdadeira. Tal olhar me permitia enxergar nos acontecimentos simples o porquê das coisas. 

Às vezes isso não era bom; pois, quase sempre, me suscitava uma espécie de desconforto, em outras palavras, era intrigante, talvez não quanto à cigarra . Ela me intrigava de verdade. O som produzido por seu canto era estridente e sem intervalo. 

Era um acanto chato que perdurava o dia. Certa vez eu perguntei a minha mãe por que a cigarra não parava de cantar. Ela me disse que as cigarras não podem parar de cantar, cantam até explodir. Isso me intrigou mais ainda, bem mais do que o canto chato da cigarra.

E a cigarra continua a me intrigar; pois, apesar de o seu canto ser estridente, ela não o escuta: as cigarras se protegem contra o volume intenso de seu próprio canto. 

Tanto o macho como a fêmea dessa espécie de insetos possuem um par de grandes membranas que funcionam como orelhas. Elas são os tímpanos, conectados ao órgão auditivo por um pequeno tendão que reage ao insistente e chato canto, que só serve para os outros.

Um chato quando abre a boca é chato. Todos têm que ouvir o barulho estridente de sua voz. Ele é o mais inteligente, é o mais bonito. A sua feiúra aparece apenas na chatice de que todos fogem, mas ele não a percebe, pois não consegue escutar o que diz.

 Ele não para de falar e nem pode parar de falar, tem um ego a inflar... inflar até explodir. Por mais brilhante que seja um caso, quando contado por um chato perde o brilho, dá sono, pois o chato se protege do encanto de suas histórias, ele é o próprio encanto.

O chato não encanta nem tem encanto, tem a “verdade”, é arrogante. A arrogância está intimamente ligada à vaidade. A palavra “vaidade” vem do latim “vanus”, que quer dizer “vão”, o vazio, o sem conteúdo. Assim é o chato.

Um Apartheid Silencioso

Deslocar-se em Salvador,atualmente,está cada vez mais caro.Os sucessivos aumentos no transporte,outorgados em ritmo semestral,fizeram o valor da passagem pular de R$ 0,80,em 2000,para os R$ 2,50 atuais,aumento de mais de 310 % em 11 anos.

O custo mensal de manter o transporte de uma criança,fazendo ido e volta para a escola,pagando inteira,era de R$ 32,enquanto que hoje,o mesmo custo,com meia passagem,é de R$ 50. Considerando-se que nem todas as crianças peguem apenas ida e volta,e sim três ou quatro passagens por dia,e que várias delas tem de pegar condução para atividades extra-escola,e temos um custo que pode chegar aos R$ 120.Aproximadamente 22% do atual salário mínimo,por uma criança.

Diante desses dados, pode se chegar a conclusão, que na nossa época, para se manter uma vida de classe média baixa,e ficar sempre devendo dois meses, ora para a empresa de água, ora para a de energia, uma família com filhos precisa ter rendimentos de classe média alta. Com o crescente do custo de vida, que sempre dá um jeito de manter os aumentos de salário a uma respeitável distância de quatro meses de atraso, ter filho na escola corre o risco de se tornar um privilégio, não só de fato, mas também em lei.

Pois,se além de pagar todas as contas, uma família padrão(2 a 5 mínimos de renda) ainda consegue fazer as crianças chegarem aonde estudam, por um valor equivalente a um bom kit de material escolar,e uma boa fração da mensalidade de uma escola privada,essa família só pode mesmo pertencer a algum tipo de nobreza,senão de sangue,porém moral.
Aquelas que tem mais de duas crianças,especialmente,terão de fazer um grande corte nos superflúos,e nos pequenos luxos e lazeres,que costumam ser pagos com o que sobra das contas.Literatura,cds,revistas,uma ou outra hortaliça orgânica,a ida mensal ao cinema com os amigos.Todas essas coisas,mesmo nas famílias em melhor situação,deixarão de ser feitas,ou serão feitas menos vezes.

O crescimento constante do custo de vida,carga ao qual o aumento do transporte é adicionada com toda a proteção jurídica,enquanto o próprio poder de compra dos cidadãos não goza de tais garantias,pode aprofundar ainda mais  a estratificação econômica que já existe na cidade,criando ainda mais divisões entre as pessoas,num municipio aonde as tensões sociais já são mantidas em banho-maria por programas de assistência e policiamento ostensivo.

Os novos empreendimentos de comércio,em aréas nobres ou futuramente nobres da cidade,só são acessíveis,para a maioria da população,atráves do transporte urbano.Com o custo diário do transporte ultrapassando o valor de uma meia-entrada de cinema,uma das coisas mais baratas que se pode consumir num shopping,e que são usados pela grande maioria das pessoas,especialmente os jovens,o efeito é que nos finais de semana,nem mesmo para o cinema,o fator mínimo de consumo,essas pessoas se sentirão mais atraídas a ir.

Irão procurar locais onde as sessões forem menos caras,procurarão alternativas mais baratas,ou nem mesmo farão nada-ficando em seus bairros,ou indo o menos longe deles possível.Ainda que essa não seja,por parte do Governo,uma ofensa ativa aos cidadãos,acaba sendo uma forma de discriminação passiva,pois gera um efeito equivalente ao do passaporte interno e dos serviços ‘’separados mas iguais’’,sem que se ponham placas anunciando a situação.

Assim,vários Direitos Constitucionais- o de ir e vir,o de ter acesso a Educação,ao Lazer e a Cultura-  são violados de uma única vez,sem que se esteja num estado de exceção-mas tornando exceções,porém,8 em cada 10 moradores da cidade,bastando que não tenham fontes de renda significativas além do salário,e precisem trabalhar ou estudar para viver.

Fontes : http://brasil.indymedia.org/media/2006/12//369490.pdf