sábado, 7 de abril de 2012

A casa abandonada

A Casa Abandonada



Meu vizinho e amigo, Gringo, me pediu ajuda com problema em sua casa. A esposa dele havia conseguido, com o segurança de uma obra próxima ao trabalho dela, o favor de poder f ficar com as telhas da casa que ocupava o terreno, pois a empresa que o adquiriu iria construir ali um edifício, demolindo a antiga residência.

Gringo me pediu ajuda, tanto de ceder o espaço de minha garagem para as telhas, visto que carro para minha família era algo que só existia em sonho, e de ir com ele, numa manhã de domingo, buscar as ditas telhas.

Ao fim da semana, numa manhã ensolarada, eu acordei, tarde como em todo dia santo, mas não muito por já ter marcado com Gringo. Saí de casa, e o encontrei, me esperando, num furgão velho que ele contratara. Fui na frente, mais sua esposa, dona Áquila, e o dono do veículo.

Gringo foi atrás, mais um cachaceiro que prometera ajudar, em troca de trocados para ''ajudá-lo a comer''.Sendo o escapamento feito de tubos de PVC, que mais jogavam fumaça dentro da cabine do que fora, Gringo teve de ir com a porta aberta, para não ficar asfixiado junto com o cachaceiro. O furgão em si era curioso. Tinha o logotipo da Volks na frente, o da GM atrás, peças que pude perceber serem de cinco modelos de carros distintos, com acabamento de peças de metal soldadas formando a estamparia, e um ventilador comum ligado nos fios do volante.

Após um minuto esperando o veículo pegar, o dono dele começou a fazer compensar o tempo perdido na saída, usando seu conhecimento prático dos atalhos por dentro dos becos, evitando as ruas principais engarrafadas, nos levando em pouco tempo para um bairro de casas altas próximo a área dos shoppings e prédios bancários.

Era daqueles com várias ruas arborizadas e nos quais se viam andando pouco mais que ocasionais vigias, vestidos em uniformes de certo mau-gosto, que ficavam em guaritas amarelas ou brancas, equipados com rádios para ameaçar chamar o carro da empresa caso pessoas estranhas começassem a perambular por ali.Paramos no terreno, que tinha dois seguranças próprios, deixados pela empreiteira.

A casa já havia sido semi-demolida, deixada nua das janelas, armações de madeira, portas e pias. Sobrara a estrutura, que deixava perceber uma casa funcional e moderna por fora, e um tanto tradicional no interior.De resto, bastante entulho, azulejos bonitos, mas cuja fragilidade fazia não compensar trabalho de retirá-los, e as telhas que viemos buscar, que os operários, apesar de não poderem ficar com elas, tiveram a delicadeza de deixar inteiras e empilhadas para quem as quisesse.

Após dona Áquila cumprimentar os seguranças, e estes nos deixarem entrar, começamos a carregar o furgão. Enquanto fazia isso, percebi no chão coisas interessantes, como um manual MATLAB ainda inteiro, jogado sob um monte de poeira. Pertencera ao antigo proprietário da casa.No caminho até ali, dona Áquila me contou a história dele. Acontecera algo triste. Ele era engenheiro, de que tipo exatamente não lembro, e morava ali com, entre outras pessoas, a mãe e a filha.

Certo dia, quando ele estava fora, homens deram um jeito de entrar, e a garota teve o azar deles não serem meros assaltantes.Enquanto os homens estavam com ela, a avó, que nada podia fazer, se escondeu debaixo de uma cama. Inutilmente: algum barulho que ela fez, ou o fato dos homens possivelmente já terem buscado informações da família, os levaram a ela quando terminaram com a garota.

Foi arrastada para um corredor, e ainda em choque, recebeu três tiros no rosto, para não dar alarme quando eles saíssem. O dono chegou mais tarde, viu tudo, e nunca mais voltou ali. Anunciou a venda do imóvel, com tudo dentro, de suas próprias roupas aos móveis da sala.Quando o trabalho estava perto do fim, e minha ajuda deixou de ser tão necessária, pedi a Gringo para poder andar um pouco, explorando as ruínas. Ele permitiu, pedindo que eu tomasse cuidado, olhando para onde pisasse. Passei da ampla sala, a uma série de quartos, nos andares de baixo.

 O andar superior, aonde ocorrera a tragédia, já era história, com as paredes já derrubadas, e a escada que lhe dava acesso, desmantelada no chão, em cacos.Uma das primeiras coisas com que trombei, foram os restos revista pornô, daquelas que vem com um DVD de quatro cenas. Achei engraçado aquele material e um manual MATLAB terem pertencido a mesma casa, e provavelmente á mesma pessoa. A parte da casa por onde comecei, tinha algo que presumi ser o estúdio ou sala de estudos, pois tinha um espaço vazado aonde reconheci o encaixe de uma mesa de desenho, e de estantes.

Depois passei para o que podia ser espaço tanto para sala de estar como de visitas, com espaço para uma tevê tela grande e um bar americano no canto, com vista para a piscina mais abaixo, no quintal. Antes de tudo acontecer, pensei, aquela deve ter sido uma família que gostava de receber amigos, de ter vários deles em casa.Ela parecia mais ser feita para estar sempre em festa do que como endereço permanente de alguém, mesmo não ficando devendo nada nisso.

Atravessando uma pequena entrada, por trás da cozinha, desci direto para a parte mais baixa, que ficava embaixo do quintal e da piscina. Encontrei ali uma cozinha em miniatura, cheia de talheres, e potes plásticos há muito tempo sem uso, que deveria servir de suporte para as festas que ocorriam ali. Seu acesso ao quintal se fazia por uma escada em espiral, já em péssimo estado por estar exposta ao sol e a chuva, mas ainda utilizável.

Quando ouvi a voz de Gringo me chamando ao longe, gritei que já estava indo, e decidi subir pela escada, para poder conhecer um pouco mais aquela parte. Emergi através do pequeno alçapão que dava acesso a cozinha de suporte, e vi Gringo na parte alta, no lugar aonde fora a garagem , acenando para mim e gritando para eu ir logo.Acenei de volta, e subi por outro caminho, que me fez sair perto do furgão. Entramos todos.

Primeiro o cachaceiro, resmungando que o serviço estava muito pesado, para depois poder pedir algumas moedas a mais; depois Gringo, que teve de dar um jeito de sentar sobre as telhas, sem quebrá-las, e depois o dono do furgão, dona Áquila e eu, após verificarmos que o marido dela( e o cachaceiro) conseguiram entrar e estavam bem.

O furgão andou algumas quadras, e passamos por um sinal aonde guardas de trânsito não viram nosso carro. A cabine tinha um cheiro bom de gasolina, que exalava de um galão de cinco litros, conectado ao motor por um tubo plástico semelhante ao do escapamento que defumava a parte de trás.

Dona Áquila comentou:

-Um luxo a casa, né? Aquilo ali que era gente de bom gosto. Eram mesmo.

Não consegui deixar de pensar no resto de revista pornô, que era daqueles com atrizes oxigenadas atuando em cenas que repetiram em centenas de filmes diferentes, e pelo qual poderia se adivinhar o conteúdo do filme só por olhar a capa. Era um tipo de material que eu próprio deixara de ver há um certo tempo. Mas não pude deixar de dizer:

-Com certeza, Dona Áquila. Pior que é mesmo.



Por Nicolas Oliver.

Inspirado em Fatos Reais.

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